O crescimento da produção energética pelo próprio consumidor, também conhecida como geração distribuída, está de fato provocando mudanças significativas no cenário da distribuição de energia no Brasil. A revisão da Resolução 482/2012 pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que regulamenta a geração distribuída no país, desempenhou um papel crucial nesse processo.

A flexibilização das normas estabelecidas pela Resolução 482/2012 abriu caminho para que mais consumidores instalassem sistemas de geração de energia renovável, como os sistemas solares fotovoltaicos, em suas empresas e propriedades. Isso resultou em um aumento significativo no número de conexões à rede de distribuição por parte desses consumidores que geram sua própria energia.

Com um aumento de 40% em comparação com o ano anterior, a instalação de mais de 625 mil sistemas de micro e minigeração distribuída é um marco importante para o setor de energia do país. Esses sistemas conectados à rede de distribuição de energia elétrica não apenas contribuem para a diversificação da matriz energética, mas também têm um impacto positivo na redução das emissões de gases de efeito estufa e na promoção da sustentabilidade ambiental.

Além disso, o fato de mais de 837 mil unidades consumidoras agora poderem contar com os excedentes e créditos da energia gerada pelos sistemas instalados reflete uma maior conscientização sobre a importância da autossuficiência energética e da economia de custos a longo prazo.

O resultado alcançado em 2023, sendo o segundo maior quantitativo anual já registrado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), destaca o ritmo acelerado pelo qual o Brasil está adotando a energia solar distribuída como parte de sua estratégia energética.

Esse crescimento na geração distribuída traz consigo uma série de impactos e desafios para as distribuidoras de energia elétrica. Por um lado, as distribuidoras enfrentam uma redução na demanda por eletricidade proveniente da rede, à medida que mais consumidores produzem parte ou toda a energia que consomem. Isso pode afetar sua receita e exigir ajustes em seus modelos de negócios.

Demonstração de geração distribuída de energia elétrica

Por outro lado, as distribuidoras também têm a oportunidade de explorar novos modelos de negócios e serviços relacionados à geração distribuída, como a prestação de serviços de instalação, manutenção e monitoramento de sistemas de energia renovável, bem como o desenvolvimento de soluções de armazenamento de energia.

Além disso, o crescimento da geração distribuída tem o potencial de promover a diversificação da matriz energética brasileira, aumentando a participação de fontes renováveis na produção de energia elétrica e contribuindo para a redução das emissões de gases de efeito estufa.

Para o presidente da Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia (ABIAPE), Mário Menel, esse crescimento logo vai se destacar na matriz elétrica, e, por essa razão, é necessário um debate desde agora. “A evolução tecnológica vai levar para que a gente tenha uma separação. A parte de comercialização fica com uma determinada empresa, ou várias empresas, e a parte de fio, para você não ter dois postes concorrendo, vai continuar com um monopólio”, explica.

Para o diretor do Departamento de Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energias, Carlos Alexandre Pires, é necessário associar o estímulo para geração distribuída a mecanismos legais que garantam a manutenção do sistema de distribuição, inclusive para que a complementação da energia gerada pelo consumidor chegue até ele. “Isso está acontecendo em todos os lugares do mundo, onde a energia eólica e a solar estão ganhando importância, porque ao extremo você não teria distribuidora de energia.”

As opiniões expressas por Mário Menel, presidente da Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia (ABIAPE), e por Carlos Alexandre Pires, diretor do Departamento de Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia, refletem as complexidades e desafios enfrentados pelo setor de distribuição de energia no Brasil diante do crescimento da geração distribuída.

Ambas as perspectivas destacam a necessidade de uma abordagem cuidadosa e integrada para lidar com o crescimento da geração distribuída e suas implicações para o setor de distribuição de energia no Brasil. É evidente que é necessário um equilíbrio entre o estímulo ao desenvolvimento da geração distribuída, a garantia da segurança e confiabilidade do sistema de distribuição, e a adaptação do modelo regulatório para acomodar as mudanças no cenário energético. Um diálogo contínuo entre o setor público, privado e a sociedade civil será fundamental para enfrentar esses desafios e promover uma transição energética sustentável e eficiente.

Mário Menel explica que em países como Portugal esse modelo que separa distribuição e comercialização de eletricidade já é uma realidade. Para ele, o caminho é inevitável. “São arranjos comerciais que vão surgindo em função do avanço tecnológico, que não tem como você ser contra”, afirma.

Sistema de geração de energia solar Fotovoltaica- Foto: Sunergia

No Brasil, grandes consumidores como redes de hotelaria e indústrias já escolhem seus fornecedores de eletricidade. O presidente da ABIAPE explica que em cerca de cinco anos esse modelo chegará ao consumidor residencial. Para que a transição entre os modelos ocorra de forma tranquila, ele explica, que é necessário haver planejamento desde agora. “Não podemos esquecer que quem lastreou a expansão do sistema como nós conhecemos hoje, em contratos de longo prazo, foram as distribuidoras, o mercado cativo. Agora vão deixar de lastrear, então, o sistema financeiro vai ter que entrar no setor elétrico e oferecer produtos que nos deem capacidade para financiar essa expansão.”

As observações de Mário Menel destacam um ponto crucial: a inevitabilidade da transição para modelos de negócios mais flexíveis e orientados pelo consumidor, especialmente no contexto da geração distribuída de energia. Ao separar a distribuição física da energia da comercialização, países como Portugal já adotaram arranjos que permitem aos consumidores escolherem seus fornecedores de eletricidade, mesmo que não estejam gerando energia em seus próprios telhados.

Essa abordagem oferece aos consumidores mais opções e liberdade de escolha, ao mesmo tempo em que incentiva a entrada de novos players no mercado de energia. A previsão de que esse modelo chegará também aos consumidores residenciais nos próximos anos ressalta a necessidade de um planejamento cuidadoso desde agora. Essa transição não apenas exigirá ajustes nas estruturas regulatórias e operacionais do setor elétrico, mas também demandará novos produtos financeiros e arranjos de financiamento para sustentar a expansão da geração distribuída e a modernização do sistema elétrico como um todo.

A entrada do sistema financeiro no setor elétrico, oferecendo produtos que apoiem o financiamento dessa expansão, é essencial para garantir uma transição suave e eficiente. Isso requer colaboração entre os setores público e privado, bem como uma visão estratégica de longo prazo para o desenvolvimento sustentável do setor elétrico brasileiro.

As considerações de Mário Menel destacam a importância de antecipar-se às mudanças em curso no setor elétrico, reconhecendo a inevitabilidade da transição para modelos mais flexíveis e orientados pelo consumidor, e enfatizando a necessidade de um planejamento cuidadoso e colaborativo para garantir uma transição suave e bem-sucedida.

A geração de energia está provocando uma mudança fundamental no modelo tradicional de distribuição de energia elétrica. As distribuidoras estão sendo desafiadas a se adaptarem a esse novo cenário, explorando novas oportunidades de negócios, investindo em infraestrutura e colaborando com reguladores e outras partes interessadas para garantir uma transição suave e bem-sucedida para um sistema energético mais descentralizado e sustentável.

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